Alcebíades e Irene após meses de casados
No
dia 24(vinte e quatro) de março de 1911, dentro de um quarto
fechado, não muito ventilado, surge um choro de criança um pouco
forte e ao mesmo tempo dizia alegremente a parteira comunicando:
_Seu
Tutu! Nasceu o seu filho! É um menino muito bonito!
Arthur
Garcia de Queiroz era apelidado de Tutu. Este simples fazendeiro
nascido no século IXX, tinha constituído família para ser o varão
de treze filhos que nasceriam com saúde.
Esperava
ansioso o nascimento dessa criança, como era de costume na sala,
inquieto, esperando o acontecimento. A parteira veio até a sala e
disse a seu Tutu que estava tudo bem.
_Dona
Cecília passa bem e o menino está sendo lavado. Logo o senhor
poderá pegá-lo no colo!
Naquele
momento, aquele jovem varão com os olhos azuis que se encheram de
água de tanta felicidade agradecia a Deus por tudo ter ocorrido bem.
Já estava planejando...
_Vou
dar o nome de Alcebíades em homenagem a um grande amigo doutor que
tenho em Nova Friburgo.
E
assim começou a história desse garoto que logo foi apelidado de
Cibidi. Aquele menino de olhos azuis e cabelos aloirados dava seus
primeiros passos para a vida simples do cotidiano.
Já
vinha com inclinações para pequenos fabricos de brinquedo, como
carroça de boi e charretes de cavalos, sabendo que nessa época não
existia carros por aquelas regiões do interior e nem estradas.
A
inteligência estava a soltar da sua mente e dona Cecília, sua mãe,
muito severa, sempre chamava:
_Vai
lá, Cibidi, e toque o bezerro para o prender, para que possamos
tirar o leite amanhã.
Já
nessa altura no decorrer dos anos, outras crianças já tinham
nascido e o leite era muito importante para a alimentação dos
irmãos menores. Ele respondia:
_Espera
um pouco mamãe, estou terminando uma carrocinha e já vou!
Aos
doze anos foi a um baile de parentes e viu alguém tocar um violão e
ficou maravilhado com aquele instrumento e o seu tocador. No dia
seguinte, juntamente com seu irmão mais velho, Sanclair, juntaram-se
e foram ao lado de sua morada e cortaram um taquaruçu _ um tipo de
bambu grande nativo das nossas matas. E fabricaram um simples violão
de poucas cordas e com aquelas mãos, até então pequenas, começaram
a dedilhar pequenas músicas da época. Cibidi já demonstrava
aptidão para fabricar coisas.
Aos
seus doze anos acompanhava seu pai na lida da tropa até Nova
Friburgo, cidade que até então não conhecia. Saiam de Vieira, o
que dava cinquenta quilômetros ou mais, para vender seus produtos
que colhiam nas lavouras.
Para
ele era uma bela aventura conhecer uma cidade lá pelo ano de 1923.
Conhecia coisas novas para sobressair sua mente.
Aos
dezessete anos, juntamente com seu irmão muito inteligente,
novamente se ajuntaram para construir uma obra maior da época, que
seria um engenho de farinha _ obra difícil para dois jovens
inexperientes, mas o desafio foi lançado.
Pedindo
ao senhor Tutú:
_Papai,
eu e Sanclair, estamos querendo fazer um engenho de farinha. O senhor
nos permite?
E
o velho respondeu:
_Você
e Sanclair não tem sabedoria para tanta façanha na construção!
Olha pra vocês! Crianças! Vocês vão perder tempo com essas ideias
de construtor!
E
assim começaram. Pegaram a forte junta de bois do seu pai, cortaram,
puxaram madeiras nobres e estacionaram onde existia uma bela queda
d’água, de onde vinha a ideia de construir o tal engenho.
Já
haviam trabalhado por três dias tirando as madeiras da mata. Foi
quando seu pai veio por curiosidade fiscalizar o empenho dos filhos,
porque à noitinha no acolhimento do lar os dois se entenderam em voz
alta sobre como iriam proceder na construção do engenho.
Vindo
a cavalo na manhã do terceiro dia, seu Tutú exclamou ao ver os dois
sentados em cima das toras:
_Alcebíades
e Sanclair, vocês não vão trabalhar? Por que estão sentados?
Responderam
após pedir a benção do pai:
_Estamos
planejando, papai, para não dar nada errado! O senhor verá! Tenho
certeza!
Durante
meses fizeram o possível daquela obra magnífica para a época.
Captações de água, canaletas, bicas, etc...
Foi
quando um técnico com experiência passou e disse:
_Parabéns!
Vocês estão indo muito bem!
Esse
homem se chamava José Fellipi Dias _ senhor muito inteligente,
acostumado com essas montagens de engenho.
Zeca
Fillipi, como era chamado, encontrou-se com seu amigo Arthur.
_Seus
rapazes estão fazendo melhor do que se esperava! Mas tem uma peça
de moer e prensar que eles não conseguirão colocar. Fala pra eles
que mês que vem eu venho pra terminar e botar pra funcionar.
Alcebíades aos vinte e três anos.
Ao
chegar ao conhecimento dos rapazes essa conversa, eles responderam ao
seu pai:
_Se
Zeca Fillipi consegue, nós também conseguimos!
E
justamente vinte dias depois estava tudo pronto e foi uma pequena
festa ao concluir aquela beleza. Quando Zeca chegou já estava
funcionando perfeitamente _ para sua surpresa.
O
tempo ia passando e da roça Alcebíades gostava pouco. Desde rapaz
ia se dedicando a fazer moinhos, ferramentas na forja, consertar
carretões de bois.
No
ano seguinte, em 1929 seu pai foi um dos primeiros a comprar um
carro, era um Ford 1929. Para que o carro pudesse ir até sua
propriedade, tiveram que construir cinco quilômetros de estrada com
os próprios braços.
Justamente
nos fins de semana, Alcebíades estava lá cortando pedras, fazendo
bueiros e pontes de madeira _ era o que gostava.
Em
1932, rapaz formado, assistiu quando seu irmão Sanclair ser
convocado para lutar na revolução contra São Paulo. Veio o medo da
perda do irmão e companheiro de tantas simples obras.
Ele
ficou na lida com a família. Nessa época foram feitas muitas
promessas para que seu irmão querido retornasse vivo e com saúde. O
destino foi a favor do apelo da família e seis meses depois o irmão
voltou são e salvo. Para comemorar a volta, deram uma grande festa
acompanhada de uma ladainha e o baile perdurou a noite inteira. E foi
nesse baile que Cibidi começou a namorar a sua futura esposa,
parenta de 2° grau, Irene Garcia do Canto. Jovem de beleza serena e
olhar penetrante, grandes olhos azuis e cabelos negros um pouco
cacheados. Irene, filha de Antônio Francisco do Canto e Edith Garcia
do Canto _ pais severos e dedicados.
Estava
ali decorrendo a história de um simples homem do interior que
desposaria aquela jovem. Rapaz magro, esguio, de 1,75m.
Ao
decorrer destes anos, chegou a trabalhar na empresa de ônibus como
carpinteiro montador, já que naquela época os ônibus eram feitos
com suportes de madeira. Todos comentavam com admiração que
trabalhava na empresa de Alfredo Claussen de Sousa _ os primeiros
ônibus que trafegaram nessas terras teresopolitanas.
Alcebíades,
filho de fazendeiro com posses e neto de Manuel Garcia de Queiroz,
capitão da guarda nacional, este foi senhor de escravos e de muitas
posses, mesmo assim Alcebíades não foi marcado para ser um homem
rico. Seria um simples cortador de pedras _ dado o nome de
cavouqueiro (pessoa que faz cavas na pedra para cortá-las). Foi o
que adotou como profissão, mas sempre fabricava moinhos a peso de
águas, usinas, era muito procurado para fazer pedras de moinhos _
era difícil de construir.
O
que é pedra de moinho? É redonda com uma abertura no centro,
planada, muito bem adornada _ uma obra de arte!
Em
toda a minha vida ocular somente conheci duas pessoas que fabricavam
esse tipo de pedra _ o meu pai (Alcebíades) e um senhor espanhol por
nome Henrique, vindo em 1956 para o Brasil. Quando viu meu pai, ficou
admirado com sua habilidade construtiva. E teve até um pouco de aula
com o amigo.
Recapitulando,
voltando atrás, em 1935, Alcebíades casa com sua querida Irene e
mais uma vez sua observação foi constante ao lado do seu sogro
Antônio Francisco do Canto. Senhor muito inteligente, com diversas
aptidões profissionais, entre as quais: Fogueteiro, armeiro,
funileiro, ferramenteiro e muitas outras simples qualidades. Técnico
em telégrafo, operador, construtor do mesmo na época, funcionário
do estado.
Lembro-me
vagamente deste vovô Canto. O outro avô, Arthur, não cheguei a
conhecer. Tenho ótimas declarações de amigos que o conheceram e
conviveram com ele.
Falar
da esposa do meu pai é uma emoção muito forte. Oh, como foi linda
a minha mãe! Que exemplo de mulher! Que força deu ao meu pai! Como
ajudou a nos criar! Sou o sexto filho deste casal. Naquele forte
peito mamei o seu leite maternal até os três anos.
Minha
mãe, ao casar, logo engravidou, mesmo assim trabalhava bastante,
porque já não tinha sua mãe e cuidava de vovô Canto e de seus
irmãos mais novos; entre os quais: Hotílio, Claudionor, Iracema,
Glória e Sebastião que morreu aos dezessete anos _ o que foi um
grande baque para todos.
Minha
mãe, muito inteligente, com sua barriga grande, começou a costurar
para ajudar o meu pai. Iniciou assim uma linda parceria.
Como
eu gosto de recordar...
Para
sustentar suas vidas
Alcebíades
cada vez mais a trabalhar
E
o pão de cada dia conquistar
Fazendo
obra pra aqui, obra pra lá
Moinho
aqui, usina lá
Uma
bicicleta philips conseguiu
comprar
Para
se locomover
E
seus serviços terminar.
O
que papai gostava de fazer nas suas folgas _ quem diria _ caçar! Às
vezes ficava até três dias dentro da mata. Seu companheiro
preferido era o João Guilherme, o negro amigo de confiança. Outro
grande companheiro era o Abelardo Garcia.
Mas
voltando um pouco, na época que casou, foi presenteado com uma
simples casa antiga de pau-a-pique. Essa casa rústica da época, já
estava à declinar. Encravada a beira de uma montanha no meio da
fazenda Palmital _ um pedaço de terra que era de um tio avô meu, o
nome dele, desculpe-me falar, é porque sou um pouco bobo, é então:
Eduardo Francisco do Canto, irmão de vovô Canto.
Esse
pedaço de terra foi comprado por vovô Tutu, Cibidi pegou de
presente. Aprumou e puxou a casa que tinha quarenta anos de
existência. Afirmou, rebocou a cozinha de pau-a-pique e ali na beira
do córrego também havia um moinho desativado _ endireitou-o e
ativou-o com aquelas águas cristalinas da Serra do Calado. Foi a
primeira luta para si e sua esposa.
A
vida rural naquela época era muito diferente da de hoje. Precisava
de crédito para fazer suas compras de comestíveis, querosene para
iluminar seu belo rancho.
E
não poderia deixar de citar um dos primeiros homens que abriu os
braços e as portas para o meu pai. Grande homem, comerciante, bom,
honesto, perseverante e bondoso. O português Antônio Custódio,
amigo de todos e principalmente da nossa família. Como ficamos
devendo a esse homem notável!
A
luta continuava e um ano depois do casamento, minha mãe e meu pai
foram agraciados com o nascimento de sua primeira filha. Como não
deveria ser muito diferente do seu nascimento, agora vinte e seis
anos mais tarde era o choro de sua primeira filha que se ouvia, da
mesma maneira a parteira falou em voz alta:
_Cibidi,
é uma bela menina, sim!
A
parteira era a dona Nair. Uma mulher de fibra que viria a acompanhar
todos os nascimentos de seis filhos do casal. Como ficamos devendo a
essa forte mulher! Temos a obrigação de lembrar!
Mamãe
passava bem, tudo ocorrera ótimo e refletiam nos olhos de papai a
alegria. Talvez até pensasse que poderia ser um garoto para o
acompanhar, mas não... era uma menina. Por quê? Deus é sábio na
sua escolha de sabedoria. Quantas dificuldades viriam pela frente...
Futuramente aquela menina bonita e sapeca, daria muita alegria para
minha mãe sofrida e já calejada da vida.
_Como
será o seu nome? _ perguntou mamãe.
Papai
respondeu:
_Se
fosse um garoto, Irene, eu daria o nome de Bennes, mas como é menina
dê você o nome que melhor venha a refletir.
Minha
mãe não poderia deixar de pensar:
_Vou
dar o mesmo nome da minha irmã querida, Démpina.
Que
nome estranho para muitos, mas para nós não. Que lindo, que
majestoso, que reflexão!
Vovô
Tutu foi visitar. Como ficou alegre, afinal era sua primeira neta!
Novamente aqueles olhos azuis, já um pouco cansados pela idade, que
há vinte e seis anos se encheram de água de alegria, voltavam a
transbordar novamente.
A
luta do casal agora era maior. Uma filha pra cuidar, um moinho para
olhar e sempre a movimentar. Mamãe lutava enquanto papai ia longe
trabalhar, suas obras completar.
Como
era dificultosa a profissão que meu pai escolheu _
cavouqueiro(cortador de pedras. Pessoa que faz cavas na pedra para
cortá-la).
Em
meados de 1932, um casal suíço se encantou com a beleza da nossa
região. Adorou nosso povo hospitaleiro. Comprou uma grande área de
terra nesta localidade de Vieira.
Para
que pudesse construir um majestoso hotel, precisava de patacões de
pedras para fazer o alicerce do mesmo. Contratou pessoas e foi quando
precisou de um homem inteligente... Procurou Alcebíades. Não
sabendo ainda o suficiente para aquela atividade, mesmo assim ele se
prontificou a dar inicio ao trabalho de cortar as tais matações(pedra
solta,grande e arredondada). Por sorte veio para iluminar, um
português já profissional na área de pedreira e ferreiro
apontador. Não demorou a ser um profissional. Encantou-se com aquela
simples e dificultosa profissão. Tão difícil que quando com o
calor do sol, chegava a 50°C, quando frio, abaixava até 8°C. Era
preciso forrar com estopas de sacos para poder sentar sobre o granito
para cortá-las.
O
estourar da pedra grande saindo das mãos calejadas de Alcebíades
era fantástico. Quanta admiração dos seus amigos e conhecidos ao
presenciar tal feito em uma profissão milenar. Quero lembrar aqui,
não só pelo meu pai, mas por muitos outros amigos profissionais que
nessa labuta deram seu suor. Quantas pequenas casas foram
construídas, castelos majestosos e deslumbrantes foram desse início!
Já vi uma frase dizer assim: “Com as pedras que me atirarem,
construirei o meu castelo.”
Cibidi
pensava assim: “Cada pedra que corto, ajudarei a construir sua
morada.”
O
Hotel São Morithiz, belo e majestoso de alicerces de pedra, perdura
até hoje e por muitos anos creio que estará lá como prova ocular
da história tanto desse homem como de tantos outros que deram seu
suor para fazê-lo belo e com segurança; acolhendo seus visitantes
nobres e ilustres que por aqui se hospedaram. Dando trabalho honesto
a tantas pessoas que ganham seu sustento para suas famílias. Que
prazer nos traz! Que Deus o ilumine e descanse em paz esse casal de
suíços, que teve essa brilhante ideia! Ousado e perseverante,
porque viu nesse lugar uma beleza inconfundível de povo humilde,
hospitaleiro e trabalhador.
O
tempo passa rápido e dona Irene está prestes a ganhar o segundo
filho. Alcebíades trabalha, nem tem mais tempo para suas caçadas.
Agora seriam dois filhos... mas, não! Eram três! Como assim...
Três?
Porque
a bondade de papai e de mamãe era enorme. A próxima filha era a
Mariete, adotiva, filha de David Garcia de Queiroz. Grande amigo e
primo também muito querido. Essa menina chegou aos vinte dias de
nascida para o acolhimento daquele simples lar. Órfã da mãe, porém
encontrou outra mãe que quatro anos depois estava prestes a dar à
luz! Sim... Como é bom lembrar desse fato.
Novamente
naquele recinto, numa noite linda e estrelada, dona Nair anunciou:
_Vamos
começar o parto, Cibidi! Fique atento! Dê-me tudo o que preciso!
Bacia,água morna e toalhas.
Aquele
homem estava atento a tal acontecimento. Não demorou muito e o choro
forte de uma criança abafava os ruídos dos grilos. Era outra menina
linda de cabelos loiros como o ouro e os olhos verdes como a mata de
nossa terra. Agora meu pai pensou: “Uma de olhos azuis. Uma outra
que me presenteou meu compadre. Que beleza! Outra de olhos verdes!
Dona
Nair, que bela parteira, como devemos a sua pessoa! Que esteja no
mais alto pedestal ao lado do Senhor.
_Ainda
não foi um garoto _ Irene disse.
_Temos
muito tempo pra pensar nisso! _ Alcebíades respondeu.
_
Como vai ser o seu nome?
_Se
fosse garoto seu nome seria Bennes. Como é uma menina escolha o nome
você! _ papai falou.
_
Então será Zenáide!
_Que
belo! É nome francês ou suíço! _ papai argumentou _ Gostei. Que
beleza!
E
assim a família vinha de vento em poupa. Também as lutas eram
maiores para se alimentar. Naquele período não havia bolsa família,
vale gás ou cesta básica. Saía dos braços e do suor o sustento.
Vovô
Arthur já estava ficando velho. O fazendeiro que era não tinha mais
forças como antes. Sendo pai de treze filhos, não poderia ajudar
tantos.
Quero
lembrar quantas vezes papai me relatava: “Tive muitas dificuldades,
mas tive muitas ajudas e apoio dos meus amigos, irmãos... Sanclair,
Ascendino... Como me apoiaram! Como me estenderam a mão! Que amizade
forte tenho! Com Cinézio conversei muito. Meu cunhado, compadre
Maurino, quantas mandiocas me deram! Tio Ademar sempre me
visitando... Minhas irmãs _ quanto apoio me deram... Leonel; que
moleque bom ele era! E Vidal? Belo menino. Temos que ficar de olho
pois não tem muita saúde.”
No
decorrer desta história relatei sobre muitos amigos de meu pai.
Também por força da memória vou contar apenas uma desavença que
pude um pouco presenciar.
O
tempo não para _ a boca come cada vez mais. Daí? Como fazer?
Trabalhar mais, comprar tudo, pensar em todas as necessidades.
De
tempos em tempos Alcebíades se ajuntava com Belardo ou Lucíndio nas
suas folgas. Lucíndio e Alcebíades caçavam em São Bento, uma
região de Sumidouro. Em outras vezes, Cibidi, juntava-se com o negro
João Guilherme e faziam a mesma façanha. Contando sua história de
caçada meu pai relatou:
_Meu
filho, passei um sufoco muito grande nas matas de São Bento!
_O
que foi, papai?
_A
gente caçava nas matas do São Bento, mas lá era proibido pelo
doutor José. O fazendeiro proibia. Porém eu e João Guilherme fomos
mesmo assim! Quem toma conta de lá é seu Damázio. Homem grande,
forte e corajoso. Após termos matado dois jacus em frente ao fogo
nos propomos a depená-los. Foi quando escutamos os tropéus dos
passos daquele encarregado. Era ele mesmo! Ele chegou com dois
grandes cachorros, uma espingarda nas costas e uma garrucha na cinta.
Ao chegar ficamos em prontidão. Ele chegou sereno e calmo como uma
dama. Não demonstrava medo de nada. Nós, sim, estávamos quase
borrando as calças! Aproximou-se e cumprimentou-nos calmamente. Seus
cachorros nos olhavam com atenção. Ele falou: “Vocês não sabem
que é proibido caçar aqui?” _ Sim, eu sei, seu Damázio! _ eu
respondi. “Então porque fizeram essa contra-ordem?” _ disse o
Damázio _ O negro João ia falar quando ele retrucou: “Fica
quieto, aí, negro, estou falando com o Alcebíades por enquanto!”
_ Ele já me conhecia de longos anos.
Pedi
desculpas ao seu Damázio.
_É
que erramos o caminho e também não o encontramos!
Damázio
me deu uma pequena descascada de conversa e perguntou ao João:
_Você,
negro sem ordem, eu nunca vi um macaco querer caçar outro!
Na
hora me pus a rir, porque quando falou aquilo já estava brincando.
Aquele
incidente foi resolvido passivamente e o Damázio concluiu:
_Alcebíades,
não cace sem ordens minhas! Quando quiser caçar venha até min!
Estava
ele mais do que certo. Eu me rendi ao seu direito e a sua lealdade de
comandado e agradeci muito. Outras vezes pra lá fui! _ contou meu
pai.
Ao
chegar a casa ele contou o acontecimento para Irene. Ela lhe deu uma
descascada.
_Pense
bem, Alcebíades! Você tem família pra cuidar! Pense nos seus
filhos, homem de Deus!!!
Foi
uma lição pra mim. Vi muitas coisas naquele momento acima do nosso
pensamento.
Agora
aquele homem magro por natureza estava maduro, calejado da vida e do
rumo o qual estava tomando. A luta não parava. As meninas davam seus
passos. Eram esplêndidas! Démpina com 8 anos, Marinete com 6 e
Zenaide com 4 anos. Um belo trio feminino. Já estavam dando uma
ajudinha à mamãe _ jovem e sofrida pelo destino que Deus lhe
determinou.
|
Alcebíades
e Irene na estrada de vovô Canto, perto de sua casa.
As
surpresas não paravam por aí! Naquele corpo forte de mulher
parideira, de sangue quente e ossos fortes, vinha mais um ser vivo.
Felicidade! Só que para mais um ser, maior a luta. Era maior a
responsabilidade. Nem por isso a lei da natureza deixava de ser mais
forte e também o amor daquele casal.
Em
1945, época muito difícil, por causa da segunda guerra mundial, o
mundo estava em clima de medo; as notícias não eram nada boas para
a política do Brasil. Entretanto sempre ouso dizer: “Depois da
tempestade vem a bonança.”
Os
preparos foram iniciados para o nascimento do próximo filho. Em uma
madrugada chuvosa de 19 de dezembro de 1945, sai meu pai apressado
para buscar novamente aquela que nos ajudou a nascer _ dona Nair;
essa senhora forte e com fartos conhecimentos de parteira, não
deixaria de atender aquele chamado de seus amigos e parentes.
Ainda
com lama nos pés, chegou e foi entrando casa adentro. Logo ordenou
que lhe trouxessem água morna, toalhas... As três meninas ficaram
alerta: Vamos ter um irmãozinho! Vamos ajudar!
Naquele
quarto iluminado por Deus, a lamparina de querosene dava o seu fosco
brilho esfumaçado. Dona Nair pediu a seu Alcebíades mais luz para
que pudesse trazer a criança à luz, que ela pudesse ver a luz do
dia nascer.
As
meninas faziam barulho e conversavam:
_Eu
vou pegar no colo primeiro!
_Não!
Eu vou!
_Não!
Serei eu!
Quando
o choro forte veio a calar todas aquelas garotinhas, Alcebíades ali
estava no canto da sala. Quieto e com a boca seca de curiosidade _
Será um menino?
Dona
Nair falou mais forte:
_Alcebíades!
Alcebíades! É um molecão! Venha ver!
O
menino estava lavado e enrolado num lençol. Meu pai entrou no quarto
estonteante de tanta emoção. Pegou-o no colo, mamãe sorria.
_Aí
está o filho que você tanto esperava, Cibidi! _ ela exclamou.
O
casal sentiu junto a emoção naquele instante. As meninas pulavam a
todo o momento, festejando o acontecido. Tinha vindo ao mundo para
felicidade do casal e de muitos ao decorrer dos anos: Bennes.
Ao
amanhecer a chuva acabou e no clarear daquelas belas montanhas da
Fazenda Palmital a vida continuava e as bocas não paravam de vir.
A
bicicleta philips de
Alcebíades tinha de rodar, porém todos foram avisados, inclusive
vovô Canto. Bem lá encima no sertão, o suor caia do rosto de vovô
Tutu. Ele tentava descer aquelas ladeiras.
Avisados
estavam vovô Tutu e vovó Cecília. Todos felizes compartilharam
suas ajudas. Vovó Cecília pegou uma galinha, Cinézio pegou ovos.
As irmãs comentavam:
_O
primeiro sobrinho! Que bacana! Quando será nossa vez?
Vovó
retrucava:
_Deixem
de ser bobas, meninas!
Falar
de vovó Cecília é um grande prazer. Como ilustra este relato de
seu neto! Descendente humilde e pacato. Essa senhora contribuiu tanto
para sua família! Severa, nem sempre chorava, entretanto suas
atitudes demonstravam sentimentos bondosos... De fazer o mundo
melhor... Estenda suas mãos fazendo caminhar alguém. Este alguém
será um simples corrimão para os anciões que seremos um dia.
Dia
dezenove de dezembro era um sábado. No domingo todos os familiares
foram visitar o recém-nascido. Todas as felicidades para o bebê.
Segunda-feira
foi novamente Alcebíades para o trabalho. Claro que alguém ficou no
resguardo de mamãe. As meninas sorriam felizes e já tinham segurado
Bennes no colo. O vinho era pouco, mas o café com bolinhos não
faltava para as visitas.
Passa
o tempo e papai começava a sentir o peso da despesa. Quatro crianças
para sustentar, vestir e calçar. Naquele tempo uma hora era
sandália, outra hora era tamanco, mesmo.
Chegando
a casa à noitinha, papai juntamente com mamãe, conversando diziam:
_Vamos
dar para Bemério e Margarida batizarem o menino! Gostamos muito
deles!
O
ano de 1948 findou e novo ano veio clarear melhor o mundo.
Alcebíades
foi chamado para trabalhar em Bonsucesso na casa de um grande amigo.
Este era casado com uma prima de 2° grau. A philips
não o deixava na mão.
Bem
cedinho estava a bater palmas na residência do senhor João Dias da
Rosa. Homem sério e trabalhador. Logo Cibidi foi recebido para
forrar o estômago com bolinhos de fubá frito.
Durante
alguns dias o moinho foi reformado. O milho era moído, então. João
ficou feliz com seu conserto e ali apresentou seu filho que estava de
passagem.
_Este
é meu filho, o Irineu!
Os
cumprimentos foram dados. A partir daí mais um laço de amizade
daquelas pessoas interioranas foi feito. Os laços de amizade de meu
pai com o João não era por acaso. Vovô Tútu sempre estava a lidar
muito antes de papai nascer, com o velho avô do Irineu. Eram amigos
tropeiros e aqui terei tempo de relatar amizades de três gerações
ao decorrer de mais de oitenta anos.
Nossas
famílias se cruzavam e as gentilezas de ambas as partes eram
grandiosas. Família Dias da Rosa, tradicional de Bonsucesso, vinha
de uma descendência humilde. Vindo há mais de oitenta anos atrás
com a família Canto e Garcia para desbravar aquelas terras e matas
virgens da região.
O
Irineu se candidatou a vereador. “É nosso candidato!”_ disse
vovô Tutu _ Meu avô notava o valor daquele rapaz de estatura
mediana, gestos calmos e palavras pensadas. Falando dos seus projetos
juntamente com o seu futuro prefeito.
A
família Garcia de Queiroz depositou toda a sua confiança votando no
jovem rapaz. Quanta felicidade para todos! A vitória do Irineu foi
expressiva e de seu amigo prefeito também.
Com
o passar dos anos, Vieira recebeu muitos trabalhos de abertura de
estradas. Aquele senhor sorria cada vez que aparecia um trator para
alargar as precárias estradas feitas com as mãos. Novamente irão
precisar reformar bueiros e pontes. A união do povo era bonita de se
ver! O trator na frente... Pela primeira vez o lavrador assistia a
força motriz daquela máquina. Vovô pronunciava:
_Vamos
lá, rapazes! Alcebíades e Sanclair! Vão fazer os bueiros que quero
abrir estrada até o sertão, até na casa de Ascendino _ Ali estavam
padrinho, Ascendino, Cinézio, Leonel e o rapaz Vidal pulando de
alegria.
Como
era bom ver novidades de desenvolvimento! As foices eram amoladas nas
pedras. Provindas de Minas, roçavam as beiras das ruas. A comunidade
se reunia para melhorar aquele pedaço de chão esquecido pelo tempo.
É
bom relatar o que me foi passado. Como meus antepassados davam valor
ao seu pedaço de terra! Deus nos fez nascer da terra e para a terra
iremos! Tenha certeza, o desafio para Alcebíades não terminava
naqueles tempos! Filhos vinham logo a seguir. As famílias cresciam
para popular as serras caladas de Vieira.
Em
breve nascia Ailton no dia 1° de abril. Dia da mentira, mas não era
mentira; a criança estava ali forte e saudável.
A
luta de mamãe era maior. Papai com sua phillips
corria. Mais trabalho agora foi desencadeado.
Ailton
seria o companheiro de papai. Acompanhando-o e dando apoio ao velho
nas suas caçadas.
Moramos
na primeira casa que meu pai consertou no Calado. Viria a morar na
antiga casa de vovô Canto, mais perto do arraial de Vieira. A ideia
de papai agora era construir um moinho e um engenho de farinha nesse
sítio onde existia mais água.
Ali
foi uma luta constante para meus pais. Não era fácil cuidar dos
filhos, olhar vovô já bem idoso e também dar guarida aos irmãos
mais jovens.
A
máquina de costura não para e o moinho tem que moer milho porque as
crianças pulam, pulam e a boca também não para. A phillips
cada vez mais longe tem de ir levando aquele
corpo malhado pela necessidade de seu sustento.
O
tiro errado, o susto da perda, a marca do sangue... Que triste
acontecimento!
Sendo
papai um ótimo atirador, ensinou minha mãe a dar uns tiros de vez
em quando. Certo dia mamãe falou:
_Alcebíades,
tem um gato do mato comendo os franguinhos. De-me a espingarda que
vou dar um jeito nele!
Assim
foi feito e pai deixou a arma num lugar que ela pudesse ter acesso.
De
mão na espingarda, ela teve a ideia de atirar em um alvo entre um pé
de jabuticabas bem enfolharado, quase madurando os frutos.
No
alvo, a certa distância, o tiro foi disparado e um forte gemido soou
estrondoso.
_Ei!
Me acertou aqui!
O
jovem Claudionor estava chupando suas frutas quando o tiro de raspão
nele atingiu. Todos correram para o pé de jabuticaba. O jovem estava
pálido como a palha do milho e com alguns chumbos no braço a gritar
de dor.
Minha
mãe ficou fora de si. Desmaiou e passou mal. Sentiu mais dor do que
a própria vítima. Depois daquele incidente nunca mais pôs suas
habilidosas mãos em armas de fogo!
O
irmão lutador e amigo de pai, Ascendino, mudou-se e outros irmãos
também se distanciavam. Aquela união que ali se compartilhava ia
ficando mais longe. Era um desafio sair do interior e montar negócio
na cidade... Assim foi Ascendino, querido irmão, na época casado há
poucos anos.
Tendo
já vovô Tútu comprado uma modesta casa na cidade, mais
precisamente na rua Bela no Vale do Paraíso; pra aonde foi, também,
Ascendino com sua esposa Maria e seus filhos pequenos.
Ascendino
fez uma sociedade com seu sogro, Neca Cunha. Homem trabalhador e por
que não dizer: Inventor de máquinas em diversas modalidades? Baixo,
de procedimentos severos e honestos.
O
moinho de fubá tocado à eletricidade foi montado. Era diferente do
nosso moinho de roça que era tocado a força d’água e moía
apenas sessenta ou setenta quilos dia e noite. O moinho elétrico era
a indústria poderosa que aparecia para fortalecer o país. Fabricava
cinquenta sacos por dia. Quê diferença!
O
destino estava selado para Alcebíades. Esse irmão novamente lhe
estenderia a mão como prova de seu amor e da união da família. Um
irmão! Homem batalhador!
Ascendino
tinha os olhos azuis pequenos, um pouco estrábicos, mas Deus escreve
certo por linhas tortas... Seu olhar era de águia! Tinha visão dos
tempos. Viria a se destacar junto a sua família. O quanto era
inteligente e admirado por todos!
E
agora Alcebíades aqui e Ascendino lá! Tão longe para se comunicar!
Mas o tempo não para, a boca come e a bicicleta phillips
rodava mais e mais. E vem outro aí! Sim, outra criança!
Não!
Agora tem que dar uma freada. Tá descarrilando o trem? Que nada!
Para felicidade de todos, o trem voltou aos trilhos. O dedo do Senhor
apontou para o seu lugar. E vamos saber com alegria esse fato.
No
dia do aniversário de Bennes, naquela tarde quente de verão, as
coisas já estavam prontas e a noite chegava. As mocinhas pulam e
dançam. Démpina pôs até o batom de tia Iracema, Zenáide
caprichou no cabelo e Mariete botou aquele humilde sapato brilhoso.
Era
festa, sim, como não poderia ser? O nascimento de um ser é sempre
uma festa!
Bennes
falava:
_Irmãos
fazem aniversário juntos.
Agora
aquele quarto não era iluminado com lamparina. A usina elétrica do
vovô Canto foi ligada para iluminar a velha casa. Quanto trabalho
meu vovô Canto e papai tiveram naquela usina! Tocada a água...
Funcionava muito bem...
Sete
horas da noite Bennes já estava brincando com os seus carrinhos de
lata que vovô Canto lhe deu de presente neste dia do seu
aniversário. Ailton estava ali, vai pra lá, vem pra cá. Belo
alvoroço!
Na
cama mamãe se contorce: “Cadê dona Nair?”
E
papai vem chegando. O cachorro late dando o aviso. Mas tinha cachorro
também? Claro! Não poderia deixar de me recordar desse fiel cão
chamado Jaú, que muito nos equilibrou para que pudéssemos dar os
primeiros passos.
Ruídos
do passar daquela senhora parteira. Pontualidade! Quanta dedicação
para conosco!
A
ordem foi dada _ bacia de água quente, toalhas... _ Todos esperavam
na sala assoalhada. Fazendo algum barulho quando disse:
_È
um garoto!
A
criança chora dentro da bacia. Dona Irene agora falava:
_Vou
dar o nome daquele atencioso médico de Nova Friburgo... Tadir será
o seu nome!
O
começo de um triste desentendimento...
O
molho de nabo _ certa desavença sem precedentes. Que triste, que
transtorno! Um fato que iria mudar o rumo daquele casal. Futuramente
um desentendimento entre minha mãe e seu irmão quase terminou em
tragédia.
A
necessidade de alimento era grande, como não alimentar tantas
crianças? Tudo o que tínhamos a volta eram legumes e frutas. Seria
mais do que necessário o dinheiro que papai ganhava como cortador de
pedras e construtor de diversas pequenas obras. Já não estava dando
o suficiente para manter a casa. O salário era minguado. Minha mãe
trabalhava, lutava, costurava, fazia horta... Até terno de casamento
fabricava para ganhar um pouco a mais, entretanto ainda não era o
bastante para tantas crianças.
Certo
dia chamando ao seu irmão pediu:
_Cláudio,
vá até aquela lavoura de nabos do Flávio e me traga um pouco para
o almoço!
Esse
molho de nabo foi o preço por muitos anos e muitos anos de brigas
sem precedentes. Quanta falta de compreensão de ambas as partes!
Cláudio
não encontra seu irmão que era compadre de meu pai e minha mãe.
Quem poderia atender? Aquele tio do mesmo sangue iria fazer o
desaforo de não compreender as necessidades de sua irmã? Ela tanto
sofria e batalhava para colher precariamente certos alimentos para
seus filhos... Os nabos já estavam nas mãos do tio Cláudio e ao
passar em um trilho, encontrando com seu irmão, veio a indagação:
_Quem
lhe deu ordem para tal feito?
Cláudio,
rapaz novo, sem experiência, respondeu que pegou na confiança de
que tinha no seu irmão. A resposta foi categórica e dura:
_Fala
pra Irene que eles não moram encima de pedras! Que plantem pra
colher!
Oh,
meu Deus! A semente da discórdia foi semeada. Chegando com os tais
nabos, o acontecido foi relatado para minha mãe. Dona Irene, sangue
quente, e talvez naquele momento de necessidade, o troco não poderia
ser pior.
_Mande-o
engolir isso pela boca abaixo! _ se não falou pior...
Quanta
falta de experiência dos três. Os dois homens se encontraram, as
ameaças foram anunciadas. Quem estava certo eu não sei... Paro por
aqui, amigos.
A
mágoa veio à tona. Como ouvia meus pais dizerem: “Não temos
inimigos, porém Flávio não é amigo!”
Que
pena pensar assim! Tio Flávio, que homem inteligente, de competência
como administrador! A cerca foi estacada no rumo de nossas vidas. Tia
Olívia, esposa de Flávio, era muito bondosa. Impossível não tomar
partido. Aquela rixa e opinião de orgulhosos perduraram por muitos
anos; impedindo a convivência com os nossos filhos maravilhosos que
são agora. Vamos deixar de lado aqueles com quem não mais
convivemos.
Os
amigos de meu pai, tio Virgílio _ o Nhonhô, como era chamado.
Também ali estava o primo e amigo David _ açougueiro. Sempre do seu
lado Júlio Rosa e sua esposa Inaura. Mulatos e negros que na fazenda
do meu avô Arthur nasceram. Inaura era filha de quem? Do companheiro
de caçada Zé Guilherme. Como se importar com apenas uma pessoa,
enquanto tenho dezenas de fiéis amigos.
Chico
Dallia veio visitá-lo sabendo do acontecido. Que amigo de meu pai!
Como me lembro daquele senhor que viveu até os seus noventa anos!
Anos de peleja e muita labuta. Chico Dallia era descendente de negros
e italianos. Bela mistura para a nossa gente forte!
Abelardo
também era amigo, tio Ademar com seu cavalo Baio... Este se pôs a
marchar e com um e com outro começou a conciliar.
Vovô
Canto já cansado e aposentado ali por controlar : “Que entre
irmãos não se briga... Nem que chova canivete.”
O
tempo passa e a boca não para de comer...
A
ideia começou a surgir: “Vamos para a cidade de Teresópolis com
as crianças!”
_Mas
que ideia, Alcebíades! _ dizia mamãe _ Se está difícil aqui,
imagine lá onde teremos que comprar tudo!
_Vamos
pensar nisso! Aqui não vendo lajota e meu meio fio de pedra lá vai
ser muito diferente. Trabalho lá que não vai faltar!
A
semente estava lançada na terra da vida.
A
visita dos compadres bateu na porta. Era noite. Que surpresa... Meu
tio Bemério, sua esposa Margarida e seus três filhos. Que alegria
para os meus pais! Havia o apoio dos irmãos e amigos. Abraço pra
aqui, beijos pra lá... E os primos, os nomes vou relatar: Arlete,
Marlene e Aldete.
Elas
começaram a brincar com meus irmãos e irmãs. Dempina e Mariete já
mocinhas,puseram-se a comentar que teriam ido num baile dançar.
Mariete ria com toda graça dos passos de dança que Dempina com medo
tinha de errar.
Arlete
já falava nas suas intenções de namorar. A sua irmã mais velha,
sobre isso não queria falar. Zenaide estava ao lado para escutar
aquelas primas e irmãs a se gabar.
O
primo de Aldete ainda pequeno se pôs a comentar ao ver o carrinho de
lata de Bennes a brilhar.
_Tenho
um de madeira que me pus a fabricar.
Ailton
e Tadir do fundo se puseram a pular. Num sentido de atenção para o
seu lado puxar.
Vovô
nesse instante começa a adentrar, com muita felicidade, sua benção
começou a dar. Vendo todos os seus descendentes em união
compartilhar...
O
tempo não volta, a boca não para. O trabalho no dia seguinte os
espera.
No
ano de 1950 veio uma surpresa também... A chuva não para, a terra
vira lama. No ventre de Irene tem história de quem contará
história. Vem vida por aí.
Aqueles
olhos assustados de mãe e pai da situação, começavam as
preocupações.
Dezembro
passa, janeiro... Muitas festas acontecem aí. Como não relatar que
Dempina já estava querendo namorar? Mariete flerteia um tal de
Thieres. Quem afinal? Thieres!
Ao
mudar da antiga casa do Calado para o sítio de vovô Canto, através
da prefeitura de Teresópolis.
Foi
convidado um senhor professor para que pudesse lecionar por nome
Alvinho Amorim, homem sábio para sua época. Categórico,
perseverante. Foi pai de diversos filhos, entre os quais Thieres. Que
amizade tivemos com essa família! Dona Cecília, sua esposa, tinha
voz grossa e gestos finos, amigáveis. Que interessante... seu
Alvinho falava um pouco fino e estridente e dona Cecília grosso e um
pouco rouco. Como me lembro daquele professor severo e dedicado para
com seus alunos. Dava aulas e nas horas vagas plantava milho, feijão
e outras culturas para o seu sustento. Quantas terças de feijão e
milho dividiu com meu pai! O café torrado e socado no pilão saído
dos braços de dona Cecília. Que beleza! Que gostoso!
Em
1° de janeiro de 1950, na rádio, as boas vindas do ano novo eram
pronunciadas. Olhando para a barriga de minha mãe, papai pensava:
_Ocorrerá
muito bem o nascimento dessa criança.
Papai
já tinha quase quarenta anos e mamãe trinta e quatro. Quanta luta
até ali! Só estavam no meio do caminho.
_Depois
desse, Alcebíades, vamos parar. Será o caçula.
Mamãe
anda pouco. O peso do corpo, as pernas um pouco inchadas. Tem de ter
repouso. Papai estava na labuta. Onde mais? E sua phillips,
claro, ao lado do seu serviço.
Ailton,Tadir,Bennes,Dílson,Zenaide
e Elza filha de Maria Corrêa. Década de 1950.
Fevereiro
chegou, os dias iam passando. Vinte e três, vinte e quatro... Na
noite de 24 para 25 a chuva caia fortemente. Nas cabeceiras das
nascentes do Rio Formiga as pedras rolavam com força de tanta água.
Na casa velha de vovô Canto, o barulho era intenso. Todos na sala
quietos estavam. Agora só o barulho da chuva. Mamãe olhava para a
imagem de Santa Luzia. Com seus olhos azuis grandes, pedindo uma
trégua.
Ali
na sala grande de vovô, tinha mais pessoas. Quem seriam elas? Como
não contar? Tio Cláudio e Margarida, minha tia querida e amada,
exemplo de mulher.
A
chuva branda fica calma e serena. Somente as pedras do rio se debatem
parecendo uma banda de música estridente.
Dona
Nair, onde está? Para onde está? Teria outro lugar para ela estar?
Ora, onde está? Novamente pela sensatez, as mesmas palavras fortes e
decididas: “Bacia, água morna, toalhas...”
A
criança estava prestes a nascer. A chuva para, vem o choro mais
forte do que foi antes! Todos na sala abrem um sorriso de alívio.
Dona Nair anuncia bem alto:
_Alcebíades,
Alcebíades, é um molecão! Não foi fácil!
Nascera?
Como era essa criança?
Branca
como a neve, olhos verdes azulados, cabelos como a paina. Este viria
ao mundo para contar algumas histórias. E o nome já estava
escolhido. Será Dilson.
No
dia seguinte tudo acontecido no quintal da velha casa. A lama ainda
era intensa. Vinham Lico e Maura com toda a delicadeza pegar aquele
menino branco por natureza. Falaram com carinho parecendo da nobreza.
Com olhos verdes da mata, será de muita destreza para que olhe o
mundo, escreva com certeza amizades. Iria fazer com toda a delicadeza
apenas usando as palavras com grandeza.
A
história continua quatro anos depois_ a família se muda para a
cidade de Teresópolis. Vou dar uma parada para tomar um fôlego...
Virá muitas surpresas futuramente e muita luta do casal. Esta
primeira etapa baseada em fatos reais foi relatada através de
depoimentos de pessoas amigas ligadas a família.
Dilson
Garcia de Queiroz
10
de novembro de 2008
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